Sexta-feira, 2 de Abril de 2004

Uma descida subtil da cátedra (II)

Esta correria do Dr. Justino aos fóruns de discussão é enigmática. Apresenta-se como uma provocação à reflexão que o ministro deseja ponderada e aturada. No entanto, esta aparição suscita várias leituras. Agarro “apenas” no que foi dito nesse artigo de opinião.

O ministro considera essencial, numa discussão séria, que tentemos perceber o contexto e as razões que sustentam a sua proposta. Ora, é isso que me proponho fazer: perceber em que contexto surge a proposta.

Vou retomar João Barroso (2003: 74) no seu esforço de caracterização da evolução recente do sistema educativo português. Diz o autor: “assiste-se hoje, em Portugal, no quadro de uma «crise de soluções» gerada pela queda do mito da reforma educativa, à promoção, na comunicação social e junto de largos sectores da opinião pública, de um diagnóstico «catastrofista» sobre a situação em que se encontra o nosso sistema educativo. Esse diagnóstico pretende abrir caminho à aceitação pela opinião pública de propostas de cariz «neo-liberal»” (privatização do ensino, a subordinação da educação à lógica do mercado, com a livre escolha pelos pais, a competição inter-escolas, etc.) misturando essas iniciativas com outras mais conservadoras (o reforço da autoridade, do rigor, etc.). É neste contexto que vemos ser tomadas algumas das medidas de regulação institucional que vão no sentido de uma substituição do «controlo pelas normas» por um «controlo pelos resultados» (Barroso, 2003).

É legitimo que o poder instituído queira controlar. Essa é uma das suas funções. A questão central é se é legítimo controlar as escolas e os professores utilizando como referencial os resultados dos alunos. Como diz o ministro, “os exames nacionais poderão ser tomados como um instrumento adicional de avaliação externa (complementando a avaliação interna das escolas), de aferição (confrontando os resultados entre escolas e professores, de orientação das aprendizagens (detectando insuficiências, apontando caminhos alternativos, alertando para a necessidade de reforço de determinadas disciplinas). Afinal, «já que as provas de aferição “não contam para nada”, há que recuperar a credibilidade e eficácia avaliativa considerando os resultados na classificação final do aluno com uma determinada ponderação». Diz também que "à semelhança no que fazem outros países, os “standars” servem de referenciais comuns das aprendizagens dos alunos, professores e escolas". É a avaliação pelos resultados no seu esplendor.

São, sem dúvida, argumentos pouco consistentes. Querer de forma enviesada aferir a qualidade do desempenho dos docentes e das escolas através da instrumentalização dos alunos é condenável sob um ponto de vista ético. Utilizar os resultados dos alunos inferindo daí a qualidade do trabalho dos professores e escolas é, no mínimo, um desatino.

“O entendimento que se faz da avaliação e os procedimentos pelos quais ela se concretiza dependem dos conceitos de educação que nos orientam e que, simultaneamente determinam esses conceitos” (Leite e col., 2002: 45). É a escola transmissora que se preocupa em acumular um saber esperando que os alunos arquivem essa informação e reproduzam esse conhecimento. É esta a escola do Dr. Justino. Estamos situados numa escola tradicional.

A avaliação pressupõe uma aprendizagem. Qual é a norma da aprendizagem e quem a definiu? Referenciada a quem? Ao aluno médio? Quem é esse aluno e onde vive? É uma aprendizagem personalizada ou multitudinária? A aprendizagem remete-nos para a questão do conhecimento. Qual é o período de validade desse saber? Que competências avalia? É que o conceito de competência adopta uma noção ampla que integra conhecimentos (saber conceptual), capacidades (saber-fazer) e atitudes (saber relacional) e pode ser entendido como um saber em acção ou em uso.
E se os exames nacionais não tiverem capacidade de avaliar competências?

publicado por Miguel Pinto às 19:42
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