Há momentos em que necessitamos de retardar o passo ou até parar. Olhar à nossa volta para nos situarmos, reflectir sobre o percurso realizado e projectar mais uma etapa. Chamam-lhe balanço. Se for necessário recuaremos alguns passos, ganhámos o tal balanço e avançaremos com mais determinação.
A Escola vivida também precisa do seu balanço. E não basta dizer que conhecemos o meio porque somos da terra, que entendemos o impacto das alterações sociais na célula familiar, que conhecemos os nossos alunos porque sabemos ler os resultados dos questionários preenchidos no início do ano, etc. etc.
Talvez o apelo de Augusto Santos Silva (num excelente texto de opinião voltado para as questões do ensino superior) para as vantagens da realização de estudos empíricos, sirva para reinventarmos um ensino básico e secundário que se oriente, em primeiro lugar, para os destinatários. A vantagem de realizar estudos é que eles questionam as ideias feitas.
Seria um bom começo que neste balanço, a Escola aclarasse os dogmas que a mantém agarrada à sua tradição unidimensional.
Malogradamente, constatamos o vazio de ideias que rege o Ministério da Educação.
Parece-me claro que o acto educativo é o acontecimento educativo por excelência. Como diz o professor Manuel Ferreira Patrício, o acto educativo é o ponto de comunicação entre o educador e o educando (...) Talvez por essa razão, não seja exagero afirmar que o professor é o fulcro do funcionamento eficaz do sistema educativo e do sistema de ensino.
Concordo com o meu amigo Miguel quando afirma que são as necessidades do aluno que determinam o sentido do acto educativo. Contudo, na síntese do ego e do sócio a Escola deve entender o aluno como pessoa, numa busca de equilíbrio entre autonomia e responsabilidade social. Porém, vou mais longe. Ao considerar que ao tomar como quadro de referência o aluno na busca incessante do seu aperfeiçoamento integral, a instituição escolar deve recorrer a uma estrutura pluridimensional cujas dimensões específicas potenciam nos educandos capacidades particulares. Emerge aí a Escola Cultural porque entende o aluno como um membro de uma sociedade com as suas imposições normativas e as suas exigências e a necessidade de transmissão de conhecimento.
Os meus amigos sabem que não procuro consensos forçados. Mas, sinceramente, não considero que as posições do Miguel e do Manel sejam divergentes. Procurar as necessidades do aluno a montante ou a jusante, isto é, no seu meio envolvente (no espaço) ou na ontogénese (no tempo) do sujeito decide apenas qual o tipo de lente a utilizar nessa busca. Será, porventura, mais adequado usar mais do que uma lente de análise para se perceber melhor o sujeito situado no seu mundo.
No Editorial do Público de 29 de Janeiro, Nuno Pacheco interroga-se acerca da relevância das provas de aferição numa óptica da melhoria do sistema educativo. O autor do texto questiona se serão tais provas verdadeiramente úteis a uma verdadeira mudança e lança um repto para o debate.
Aceito o desafio e atrevo-me a avançar com um explicação para este problema. Será o meu olhar sobre os desígnios de uma política que, na minha perspectiva, se interessa muito pouco pelos problemas dos alunos.
A reorganização curricular que vivemos não tem passado despercebida à opinião pública. Desde a sua fase de concepção (iniciada pelo anterior executivo) até hoje, temos assistido, perplexos, a sucessivos avanços e recuos do poder central, que traduzem, desde logo, a desconfiança dos próprios governantes nas virtudes deste desígnio.
A comunicação social vai entretendo a opinião pública com os casos que mais vendem: Os resultados das provas aferidas, a publicação dos resultados dos exames nacionais e a respectiva ordenação das escolas, as incríveis histórias que a qualidade dos manuais escolares suscitam, o processo de colocação dos professores nas escolas, etc. Estamos perante um fenómeno de clara manipulação da informação e o currículo escolar transformou-se num campo de batalha. Como sustenta Aplle (2003: 247) , o conteúdo e a forma do currículo sempre foram questões políticas. O debate sobre Que saber tem mais valor? adquiriu conotações políticas. O argumento ideológico dominante restaura as questões da disciplina, do excesso de liberdade dos alunos, dos saberes legítimos, isto é, os saberes que servem a economia competitiva.
Ora, não se trata de desvalorizar a economia na vida dos homens. Ela serve para resolver os problemas materiais das pessoas, serve para satisfazer um conjunto de necessidades básicas. Mas, como diz Patrício (1997: 71), o homem não vive só de pão e acontece mesmo que o pão é instrumental relativamente a outros interesses, necessidades e valores do homem. O discurso da emergência da qualidade tem invadido o terreno educativo. Os ideólogos neoliberais e neoconservadores são hábeis na difusão das suas teses e já conquistaram a linguagem do senso comum que coloca a cultura num nível inferior à economia. Como se a economia não fizesse parte da cultura. A qualidade é um imperativo ético. A qualidade mínima da vida é o ponto onde os direitos humanos começam. A vontade de qualidade é universal. Se educar é modificar e adquirir novos modos de ser, para ser mais e melhor, o retorno à questão da qualidade educativa é crucial. O âmbito da promoção da qualidade é um processo complexo (Patrício, 1997: 65). É consensual que precisamos de alunos, pais, professores, escolas e de uma sociedade com mais qualidade. Um esforço que vise a promoção da qualidade olhará para uma sociedade de qualidade, um sistema educativo de qualidade, uma política educativa de qualidade, uma educação de qualidade, uma escola de qualidade, um professor de qualidade (Idem).
Mas o problema é que ainda subsiste a crença de que através da manipulação dos currículos produziremos as mudanças necessárias à promoção da qualidade. Atónito, tenho assistido a sucessivas orgias legislativas com resultados inócuos. Mas as Escolas estão na mesma. Com um funcionamento de regime duplo terá grandes dificuldades em servir os fins que a escola se propõe. Estaremos interessados em gerir criativamente os espaços e os tempos? Um esforço desta natureza transporta custos, riscos e resistências.
Olhar para a Escola através de uma lente direccionada para as necessidades do aluno poderia ser dramático para as correntes neoliberais. Imaginem o que seria se ruíssem os mitos que trespassam a opinião pública de que há professores a mais e que se gasta muito com a educação?
(Enviei este texto para o jornal O Público e aguardo a sua publicação).
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